
Oceanógrafo do ICMBio há mais de 30 anos em Fernando de Noronha é transferido para parque no sertão pernambucano
A remoção do analista ambiental José Martins foi determinada nesta quinta-feira (1°) pela presidência do ICMBio apesar de manifestação contrária do servidor.
O oceanógrafo José Martins da Silva Júnior, analista ambiental em Fernando de Noronha e coordenador de um projeto de preservação de golfinhos no arquipélago, foi removido de seu cargo no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e transferido para uma unidade de conservação no sertão pernambucano contra seu interesse.
A decisão é do presidente do ICMBio, Homero de Giorge Cerqueira, e foi anunciada na quinta-feira (1°), apesar da manifestação contrária do servidor, que pediu oficialmente a anulação da remoção. No processo o instituto justifica a transferência pela desproporcionalidade no número de servidores nas unidades de conservação.
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José Martins da Silva Júnior, servidor do ICMBio em Fernando de Noronha, em entrevista ao G1 em janeiro de 2019. — Foto: Fábio Tito/G1/Arquivo |
Em fevereiro, o antecessor de Cerqueira no comando do ICMBio, Adalberto Eberhard, já havia exonerado um servidor de Fernando de Noronha.
O então chefe do Parque Nacional Marinho do arquipélago, Felipe Mendonça, foi tirado da função após reunião de Eberhard com o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e empresários da ilha.
Essas mudanças ocorreram após o presidente Jair Bolsonaro criticar a taxa de acesso para visitantes. Na sequência, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles disse que estuda rever a taxa e ainda liberar a pesca de sardinha. O governo também estuda permitir voos noturnos para a ilha.
O funcionário José Martins é um dos crítico do aumento exponencial da visitação em Fernando de Noronha, que está acima do limite permitido. Em entrevista ao G1 em janeiro, o analista ambiental destacou que o aumento, antes sazonal, ocorre em todos os meses do ano. "A experiência que se quer é de que o visitante cumpra o papel dele de conservação do meio ambiente", disse Martins à época.
Felipe Mendonça, ex-chefe do parque, também era crítico do aumento no número de turistas na ilha. Ele ainda condenava a concessão de alvarás do governo estadual de Pernambuco para a construção e ampliação de pousadas em Noronha.
Tentativa de reverter decisão
Na tentativa de reverter a decisão que determina sua mudança, o funcionário José Martins da Silva Júnior Martins destacou que é oceanógrafo com mestrado e doutorado sobre a fauna marinha de Fernando de Noronha e que, por isso, seria mais útil no arquipélago do que na Floresta Nacional de Negreiros, que fica no interior de Pernambuco, a 550 quilômetros de Recife.
O analista ambiental vive em Noronha há mais de 30 anos. Sua mudança acarretará o afastamento físico de mais de 1 mil quilômetros de sua esposa, que também reside e trabalha na ilha, onde tem a condição de moradora permanente.
No texto em que pede a anulação, o servidor diz esperar que a transferência não esteja relacionada aos grandes empresários de Fernando de Noronha, "que tem sido autuados ou notificados pelo ICMBio Noronha e ficaram assustados com uma apresentação onde apresentei as inúmeras legislações federais, estaduais e distritais que são descumpridas diária e impunemente."
Apesar da manifestação de mais de quatro páginas registrada por Martins no processo administrativo, o presidente do ICMBio manteve a decisão de removê-lo de seu cargo em Noronha. Em apenas um parágrafo, Cerqueira destacou que "a remoção em questão visa melhor distribuição quantitativa dos servidores" e solicitou na quinta-feira que a decisão seja publicada e oficializada.
Na nota técnica, o ICMBio avalia que tais experiências "poderão contribuir para o desenvolvimento de ações relevantes para a Floresta Nacional de Negreiros relacionadas à Educação Ambiental, Ecoturismo e Gestão da Unidade de Conservação."
Já no despacho que efetiva a remoção de ofício do servidor, o presidente do ICMBio, Homero Cerqueira, afirma que a mudança se justifica porque há uma discrepância no número de servidores lotados em Fernando de Noronha e na Floresta Nacional de Negreiros.
"Atualmente há 34 servidores e empregados anistiados lotados no no Núcleo de Gestão Integrada (NGI) Noronha ao passo que, na Floresta Nacional de Negreiros, há apenas 3 servidores, segundo o Painel Dinâmico de Informações", afirma Cerqueira em seu despacho.
"Diante dessa desproporcionalidade, e com intuito de melhor equilibrar o quantitativo de pessoal nas Unidades de Conservação no Estado de Pernambuco, conclui-se que a alteração de lotação do servidor é benéfica para o aprimoramento das atividades inerentes à Floresta Nacional de Negreiros, sem prejudicar o NGI Noronha, dado o seu quantitativo de pessoal."
Manifestação contrária do servidor
No processo administrativo, José Martins teve a oportunidade de se manifestar apenas após a publicação da portaria de 25 de julho, que já determinava sua remoção.
Na manifestação, Martins refuta o argumento de que seu Lattes o credencia para atuar na Floresta Nacional de Negreiros com Educação Ambiental, Ecoturismo e Gestão da Unidade de Conservação.
Segundo o servidor, dentre as 19.298 palavras que aparecem em seu currículo, a expressão “educação ambiental” só aparece 30 vezes, a palavra “ecoturismo” aparece 7 vezes e a expressão “Gestão da Unidade de Conservação” não aparece nenhuma vez.
"Conforme uma lida total no meu Curriculum Lattes esclarece, sou o brasileiro com maior titulação acadêmica em Oceanografia, pois tenho duas faculdades, mestrado e doutorado em oceanografia. Em 2005 finalizei meu Doutorado no Programa de Pós Graduação em Oceanografia Biológica na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com título “Ecologia comportamental do golfinho-rotador (Stenella longirostris) em Fernando de Noronha”.
Além disso, Martins lembra que sua experiência profissional é quase toda baseada no estudo de animais da fauna de Fernando de Noronha.
"Ainda analisando meu Curriculum Lattes, observa-se que dos 35 cursos listados no item Formação Complementar, nenhum é referente à “Ecoturismo”, Educação Ambiental ou Gerencia de Unidade de Conservação. Os meus 3 livros publicados são sobre golfinhos ou a temática marinha e dos meus 20 capítulos de livros publicados, 19 são sobre golfinhos ou a temática marinha."
Ele afirma ainda que o ICMBio capacitou centenas de pessoas para trabalhar na Floresta Nacional de Negreiros - e ele não está entre elas.
"O ICMBio emitiu 382 certificados para 344 pessoas de aprovação/conclusão de cursos de formação nas linhas da gestão socioambiental, que capacita diretamente para trabalhar em questões relacionadas a Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Nenhum destes certificados foi para mim. Isto é, o ICMBio capacitou 344 funcionários da Instituição para as necessidades da FLONA de Negreiros, e nenhum deles sou eu."
O servidor ressalta também que, pela condição de morador permanente da ilha, tem direito a receber do Estado de Pernambuco um terreno para construir sua própria moradia.
Segundo Martins, esse direito foi solicitado em 1990, mas adquirido apenas em 30 de julho de 2019, com a publicação pela Autarquia Territorial de Fernando de Noronha da lista de moradores beneficiados com terrenos.
"Com a minha remoção de Fernando de Noronha não só eu perderia o direito a receber este terreno como provavelmente perderia a condição de morador permanente", afirma.
Em relação ao número de servidores lotados no arquipélago, Martins afirma que muitos estão próximos da aposentadoria. Além disso, o oceanógrafo ressalta a diferença de tamanho das reservas: a área das unidades de conservação de Noronha soma 165 mil hectares, contra 3 mil hectares da Floresta Nacional de Negreiros.
"Dos 32 servidores e empregados anistiados lotados no NGI Noronha que estão na ativa, somente 15 funcionários são servidores efetivos. Destes 15, somente 5 são analistas ambientais. Destes 5, somente 2 são Analistas Ambientais lotados nas Unidades de Conservação que compõem o NGI Noronha. Destes 2, somente um funcionário é lotado na Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha (APA-FN), que sou eu. Isto é, eu sou o único servidor ou empregado anistiado lotado na APA-FN", afirma.
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